Meu corpo é vermelho e mais vermelho por dentro.
Cheio de viceras, vícios, uma dor rígida, um preguiçoso, um
nojento! Corpo de partes que com suas partes não se sente. Quando se atira,
descansa. Um descanso quente, um calar quente quese entrega. Só o pensamento se
sente livre para desejar. mAs as vezes ele pede para eu ter um pouco de pausa.
E eu não consigo.
O amor não é tátil, mas pode estar em palavras, em cartas,
em caixinhas. pode estar no tempo.
Pra onde foram os sonhos? os para sempres? Pros cantos das
peles mortas. descansam no silêncio confortável.
Tem um buraco de desejo dentro do corpo, nas memórias...O
quanto cabe no peito? E nas palavras? As palavras são um corpo ausente, tem
nome de corpo, foram enviadas de um corpo para o outro. As mesmas palavras são
embaladas de mil formas, significam o tempo, existem porque sou.
Vermelho. Preto amarelo preto amarelo preto e cada gota
d'água é uma gota a mais. Escuro e de volta ao vermelho. Arrepio. Vontade forte
na boca, tanto que adormece. E a vibração vai fundo lá dentro. Eu, corpo metal
de furinhos e aberturas. Calor e frio tão rápido que sinto falta, falta do
ventre e seus olhos. brigo pra voltar. Folhinha vai além de si. Folhão é frio e
quente e tudo vira ao contrário. é só fechar os olhos.
Peste bubonica cancer pneumonia raiva rubeola tuberculose
anemia rancor cisticercose caxumba difteria encefalite faringite gripe leucêmia
epatite escarlatina estupidez paralizia toxoplasmose sarampo esquizofrênia
úlcera trombose coqueluxe hipocondria cífilis ciúmes asma cleptomania
E o pulso ainda pulsa
E o corpo ainda é pouco
Cena: meu corpo me permite a entrega.
É uma cena sobre o confrontro dos relacionamentos
contemporaneos com o romantismo exagerado. Partiu de um movimento de queda pra
frente e da frase meu corpo me permite a entrega, para em sua versão final
iniciar deitado de bruços, levantar-se, moviento pendular, incerteza(caminhada
para trás buscando apoio com os braços), queda (passada em falso), reerger-se,
queda, rolamento e saída.
(chão, de bruços)
Meu corpo me permite a entrega
(erguendo-se)
mesmo na ausência, mesmo que doa
cego, me permite amar
(pêndulo, pé no chão)
calma! meu corpo me permite a pausa, me permite fugir
(giro e queda-passo em falso-)
não meu corpo me impede de desistir
(reerguendo-se)
meu corpo me permite continuar
(queda e rolamento)
eu sei cair muito bem.
(sai andando)
Reflexão sobre a primeira cena:
Minha primeira cena individual começava com um movimento de
dedo surgido em uma pesquisa de movimento retilineo. Depois tremia
intensamente. Em uma reflexão posterior, pensei em me enfiar em baixo das
pernas, criando assim um monstro.
Com isso acreditei estar criando uma oposição entre o médico
(dotore criado no movimento de dedo) e o monstro (enfiado embaixo das pernas).
Não adiantou muito. entendo agora o porque e vejo soluções
Problemas:
Nem o doutor ou o monstro tem tempo suficiente para criar o
signo e principalmente falta clareza para ambos.
Posso tanto trabalhar infinitamente mais as duas ou, o que
não reduz a necessidade de trabalho, posso acrescentar elementos mais potentes
como o pulso ainda pulsa e a mão e a terceira perna.
Depois parto para um krakasahna, movimento dispensável ao
meu ver, a não ser que executado com muita intensão. daí para alguns movimentos
de yoga que tem também na clareza sua maior debilidade.
Pensei em dispensar o krakasahna, transformá-lo em um
rolamento simples, a posição de costas para uma posição fetal e dispensar a
ascenção, dispensando o dedo em riste ou treinar o krakasahna a ponto de
fazê-lo de olhos fechados.
Meu próximo movimento é a gravidez. Trago a habilidade de
dilatar minha barriga desde que posso me lembrar. nas transformações do corpo,
a gravidez é para mim um tema central. Minha ideia era renascer de mim mesmo.
Pra mim o climax da cena.
A pausa me gerou uma reflexão. Se esse é o climax e se tenho
um desfecho, o que me falta é uma apresentação. talvez as transformações devem
se encaminhar todas para o renascimento.
Nasço, e do meu coração renasço. Cantava um trecho da música "momento
3" do disco "corpo" do Arnaldo Antunes.
Agora faria com a parte de "Cabimento". "e hoje eu caibo nesse
corpo que cabia antes na minha mãe..." Falta pensar esse momento de
gravidez enquanto climax e encaminhar tudo para ele, apresentação e desfecho.
No último momento me construo como figura humana e
posteriormente me desmonto. Minha inspiração, o homem virtuviano de Da Vinci,
era carregada de imperfeição e posteriormente se esgotava. Nunca atingi tal
esgotamento.
A temática era o entendimento do corpo enquanto
sujeito/objeto indissocíavel, resolução tal que vinha como um renascimento.
Minha sequencia individual começava mal e não tinha liga, mas as imagens
criadas, principalmente as últimas deram um bom resultado.
Physis, Soma, O corpo, organismo material, distituido de
suas funções psiquicas, seguindo a ótica decartiana do penso logo existo
compreendemos que não quer dizer que só existe o que realmente pensa..Shhhh...
Mas que... Só o que pensa pode questionar a existência. Eu posso estar
sonhando... Ou representado um papel...Tem alguém aí???.... Somente o
pensamento é capaz de ir da abstração mais elevada ao desejo mais carnal... Quem
está aí??? AAAAAAAHHHHHHH!!!!
O corpo se cortado espirra um liquido vermelho.... e se você
ficar olhando... se ficar olhando... se você ficar olhando atentamente o
anus... Você pode ver crescer o cabelo!! O corpo é a impermanencia que fica...
o corpo existe e pode ser pego... pode ser feito... pode ser feito... pode ser
feito....
Meu corpo me permite seu corpo.
Meu corpo me impede seu corpo.
Seu corpo me permite meu corpo.
Meu corpo me permite o gozo.
Meu corpo me permite sangrar pelos olhos.
Seu corpo me permite passar.
Seu corpo me impede de passar.
Meu corpo me impede o socorro.
Meu corpo me pede socorro.
Meu corpo me permite pedir ajuda.
Meu corpo me permite me matar.
Paixão: só dela cresce o fôlego de um rumo.
Foi-se. O gesto que o seguiu já era saudade. O abandono veio
a boca, imediatamente, como um gosto amargo.
Tem uma hora em que eu não sei se meu coração vai pulsar
outra vez.
Entre uma batida e outra há um silêncio de velório.
Então ouço as vozes, os choros, sinto o cheiro de vela e os tapinhas no ombro
me mostram que ainda não foi dessa vez. Eu ainda habito.
Minha carne é vermelha, branca, marrom, azul e quando eu me
movo eu me sinto mudar de cor.
Minha carne é seca e quando eu me esfrego , eu sinto como se
eu deixasse ir.
Minha carne é aspera e quando eu me arrasto eu sinto como se
eu me rasgasse.
Minha carne é macia e quando eu me provo eu sinto o cheiro
de nós.
Minha carne é dura e quando eu pingo eu sinto como se eu
descansasse
Minha carne é móvel e quando eu me espremo, sinto como se eu
estranhasse.
Tá com medo de que???
Já caiu tantas vezes...
o mundo é muito alto.
vou lá, não vou
vai de cara!!!
Alguém me segura!
Me deixa sair
Me solta
Por favor, me solta??
Eu quero sair daqui!!
Sempre volta.
Tá ouvindo?
e vem cantando... o galope da tempestade
eu me solto é como se eu deixasse.
Deixa? não não...
me larga, me deixa
por favor, me larga!!
E fica o vazio.
Minha sorte é que eu escoo
Minha carne é água e eu lavo o cheiro de nós.
Caderno II
As coisas não começaram aqui. Aqui elas são transformadas.
Tenho a alma suja
Entenda
Fico tramando quando o desesperose ausenta
E nada de desperdiçar meu..
meu olhar e ouvidos com esguias condolências.
Meu corpo é meu templo e o inferno do outro
Alvo dos olhares periféricos.
abuso e sou abusado.
Os dedos sôfregos já conturbados por um tipo de mal
esqueceram como estalar a trilha que levaria ao teu leito
Amor fuleiro...
Agora, tenho aversão aos sentimentalóides que,
como eu não sabem lavar um par de pernas.
Saber mentir é um resquício de humanidade
e eu não terei muitos prazeres, nem muito tempo.
Minha carne é perversa.
Eu tenho sabor de vida
um gosto de mim que dura o tempo de uma chupada.
Textura escamosa do fruto que eva comeu.
Quer? Aqui moram o bem e o mau, meu bem.
Amor feito de víceras, de matérias várias, de mel.
amo tudo o que pode ser, amo o que é,
amodeio tudo o que pode e é. O que é?
Sou eu! Olha pra mim, pro meu olho de fogo,
olha para o meu peito, é de mundo, é a bendita.
Eu digo sim, eu abro meus braços que são belos,
belos braços roliços e duros.
Vem! Não sou simplesmente asqueroso,
deve haver qualquer
coisa de admirável em tudo isso que sou.
Desse pedaço de mim há de se fazer um outro eu inteirinho,
um outro feito de mim, um construtor de águas, nu no corpo,
nu por dentro.
E sem medidas.
Nem o calor é o que era. Tô passado... Quero uma faca, um
basta, um vento fresco na casa. Os tempos de aguardo agora estão secos.
Falta-me o ar no cérebro, sobra no coração. E riram de mim quando à porta falei
em crime. Não sabem como não olhar pode ser mortal. Escuto ao longe o tempo
gritar meu nome enquanto me arranca outro pedaço. Fatia-me aos poucos enquanto
trago, um gole, gargalho. Toma, me leva consigo, eu deixo, eu gosto. Fazer o que? Morrer? Morrer é pros inflamados
e no fim não faz diferença, a sentença só é mais longa para os pacientes. Eu só
olho e como, e como.
-Deixa?
-Não...
-Deixa...
-Não quero.
-Deixa.
-Não! Quero ir embora.
-Deixa!
-Me deixa! Pro favor, Não!! Sai, me larga! Me deixa sair! Me
deixa Sair!!
-ME LARGA, PORRA!!
Minha carne é santa.
Qual a minha compulsão?
Quando amo, sou o quê?
Quando aperto, o que em mim acorda?
O que sinto quando não sou escolhido?
Perguntas a mim mesmo.
Paixão?
O encantamento e dedicação ao que amo.
Amor?
O que me move no tempo.
Tempo?
Uma grande mentira. A mentira rainha.
Se fosse uma mentira, seria o que?
Um rio cheio.
Seu maior sonho?
Viver até esquecer.
Brasiliense, ótimo cozinheiro, sem vícios. Seco cabelo.
Ofereço-me. noturno/diurno, finais de semana. ótimo profissional. motorista.
assessoro, atendo-telefones, clientes, casais. Auxilio. Sou caseiro. Danço, já
me disseram que eu poderia ser modelo... Cuido. Embalo. Entrego. Recepciono. Lavo. Panfleto(já panfletei
diversas vezes) Pinto. Posso ser seu secretário. Investigo adultério. Melhoro
sua monografia.
Cena: Venda da carne. Ofereço para o público o meu corpo
como um produto a venda, uma peça de carne por um salário mínimo para fazer
serviços do classificados. uso como atrativo o preço baixo e a variedade de
serviços. A temática é o uso do corpo e sua venda como mão de obra primária,
passando por fatores sociais e históricos de genero e raça.
(gestos chamando a atenção)
Olha a promoção!
Olha a promoção!
Oferta mais barata que essa não tem, heein!
É só hoje, se não levar agora, não leva mais, é a festa da
carne!
(Aponta para o público)
Vai querer? Vai levar, fregueza?
(fala desabotoando a camisa)
Me ofereço por 622 reais! É isso mesmo, só 622 reais. Mais
barato que isso só pintado de preto.
(olha pra público)
Não gostou? Não precisa levar a peça inteira,
Tem pra todo bolso,
Tem carne de terceira
(pontilha os pulsos)
tem carne de segunda
(pontilha o peito)
de primeira
(pontilha a cabeça)
Pode até pagar por hora
(desenha o relógio na testa. Olha para público escolhe um)
Não? por favor, me leva? Eu aprendo rápido, sou obediente...
Se você me der essa oportunidade, prometo te fazer feliz. Eu
lavo, eu cozinho, auxilio.
(para outro)
Atendo o telefone, a porta, as visitas.(muda o tom) Atendo
casais.
(Para todos)
Sou cuidadoso!Não tenho vícios...
(escolhe mais um)
Posso dirigir, fazer entregas, faço noturno e diurno, fim de
semana, qualquer coisa...Sou certificado!
Posso ser seu secretário, seu acompanhante... Eu danço... E já me disseram até
que eu podia ser modelo.
(pra todos)
Eu investigo adultério!
(Escolhe outro)
clono o telefone dele, só dizer o número.
Melhoro sua monografia.
Pede! Eu faço. O que você quer?
(abertura para pedidos, a cena termina ao ser comprado)
Eu me sinto escuro quando você me descobre.
Eu me sinto oco quando você me infla.
Eu me sinto só quando você me esfrega.
Eu me sinto bem quando te aperto.
Eu me sinto igual quando você me olha.
Eu sou ridículo. E tudo mais.
Eu quero o fim do mundo!
O fim...
É nessa cama crua que nascem os monstros.
Os corpos se arrastando entre o meu espectro, um sobre o
outro, sem partes...
E eu, tapando os olhos, vendo cinema entre os dedos, pequenino entre as
poltronas.
Eu queria dormir, mas a raiva e a náusea acordam o bicho
comedor de estômagos. finjo civilidade e ele me morde o rabo, tem hora que
quase vem a boca para mandá-los até lá.
Sorrio. e entre uma dentada e outra ele ri de mim, da
fraqueza em mim, parte podre que ele se recusa a comer.
tudo bem, tudo bem. até você se descobrir estranho por
dentro, sentir a besta te mastigando as entranhas, mais rápido que o
câncer. Ela come, cospe e caga em mim.
trepa em mim, me fecunda. carrego o filho da besta aqui dentro. vou tê-lo pela
boca, pelas mãos, pelos olhos. Serei escoado por ele, serei devorado por ele e de mim só sobrarão as fraquezas e
as mentiras.
O tempo era branco e quente. Os reflexos confusos do tablado
prenunciavam a suspensão.
Desejo então ver surgindo entre o verde do jardim a antiga
pelagem dourada, as pegadas pesadas revelando o mundo jovem. Os olhos ambar
revolucionariam esse lugar. Nem precisariamos olhá-los. A fera revelaria a fera
na gente. Trairíamos a nós mesmos mostrando o que somos. O medo é nu!
Eu finjo meus "tudo bem", e você?
Eu nunca soube.
Esse é um momento em que evito os olhares,
não quero te ver acuado no escuro.
quero tudo bem.
Há vida na morte.
Sei disso pelos fantasmas que atravessam esse deserto.
De nenhum lugar para lugar nenhum e de volta.
Os vejo aos bandos quando paro por aqui, tão iguais que os
julgo os mesmos.
Alguns devolvem o olhar, assustados com a minha aparição.
Mas sou de carne viva, palavra.
Não existo só porque pretendo, mas porque há em mim um calor
dentro, que por ser calor e por ser dentro provam que sou feito de gente. Sou
de vício. Esse de devorar as coisas com os olhos.
Surra
Cena: Arma, fim do corpo. A arma com instrumento de poder e
o poder do corpo a cima da arma. De cueca em uma cadeira.
(apontando a arma. no meio "paw" com a boca.
inicia a fala)
Meu pai só me bateu uma vez. Ele não é violento, apesar da
família toda ser. Só meu tio-avô matou trinta e dois. Mas meu pais sempre teve
armas em casa e eu,(giro da arma) curiosidade. Eu era pequeno, devia ter uns
seis anos. Fui até o armário do escritório, coloquei o banquinho e abri a porta
onde eu sabia que elas estariam. (começa a passar a pistola) Eram três, dois
revólveres e uma pistola. Eu peguei a pistola. (engatilha) meu irmão estava
deitado na sala, assistindo TV, eu subi nele, encostei o cano na nuca...(encosta
o cano na própria nuca) Ele só sentiu o gelado.(muda para baixo do pescoço) meu
pai abriu a porta na hora (atira) Um sapato me atingiu a cabeça.(arma baixa,
olhar baixo.) Eu cai no chão, meu irmão me matava com os olhos, veio a chuva de
tapas. Me cobriam o corpo todo, eram
pesados, ardiam, tapas de mão cheia. Não aconteceu nada, eu só tava
brincando, Eu... Eu me sentia
amedrontado, pequeno, descoberto, eu me sentia traído. Eu só pensava no
gatilho... até hoje eu penso...
Música: Cena do carrinho de compras
(carrinho passeia com corpos dentro e fora. Os corpos vão
sendo trocados enquanto o carrinho passeia. Todos cantam.)
G D
Você pode me dizer o que eu sou?
Prego, pasta ou coisa de comer?
Se eu vivo no lixo, eu sou o quê?
Ela, a minha estranha. Ela já não me olhava de frente.
Buscava entre os detalhes dela a certeza da existência de algo nosso. Quanto
tempo tem? Não lembrava como era quente...
Ela agora me olhava, mas não via. Sua ignorância me feria mais do que o toque.
Eu resistira tempo demais, só me restou um riso ruim, algo que era dela e eu
deixei, apesar de nunca ter gostado. Eu a acompanhava como um cão, e agora via
como nos tornamos alheios. Certas coisas preferi calar. Outras disse. Já não
sei se disse o que preferia calar ou calei o que queria dizer. Eu não quis
dizer, mas precisavamos descobrir o tempo.
Dariamos conta?
Os laços de carne me chateiam.
Não mostra! Não pode, é feio.
Se você mostrar, eles vão ver que você também tem o monstro
e arrancam ele de você.
Não fala, engole!
Põe as partes que não cabem pra dentro, dobra, sei lá. Ai de
você se sobrar...
Não toca!
Tem coisa no mundo que é só pra desejar.
Querer sair é natural, sair é que não dá