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terça-feira, 30 de outubro de 2012

Para nossos manequins

Eu, etiqueta

Em minha calça está grudado um nome
Que não é meu de batismo ou de cartório
Um nome... estranho
Meu blusão traz lembrete de bebida
Que jamais pus na boca, nessa vida,
Em minha camiseta, a marca de cigarro
Que não fumo, até hoje não fumei.
Minhas meias falam de produtos
Que nunca experimentei
Mas são comunicados a meus pés.
Meu tênis é proclama colorido
De alguma coisa não provada
Por este provador de longa idade.
Meu lenço, meu relógio, meu chaveiro,
Minha gravata e cinto e escova e pente,
Meu copo, minha xícara,
Minha toalha de banho e sabonete,
Meu isso, meu aquilo.
Desde a cabeça ao bico dos sapatos,
São mensagens,
Letras falantes,
Gritos visuais,
Ordens de uso, abuso, reincidências.
Costume, hábito, premência,
Indispensabilidade,
E fazem de mim homem-anúncio itinerante,
Escravo da matéria anunciada.
Estou, estou na moda.
É duro andar na moda, ainda que a moda
Seja negar minha identidade,
Trocá-lo por mil, açambarcando
Todas as marcas registradas,
Todos os logotipos do mercado.
Com que inocência demito-me de ser
Eu que antes era e me sabia
Tão diverso de outros, tão mim mesmo,
Ser pensante sentinte e solitário
Com outros seres diversos e conscientes
De sua humana, invencível condição.
Agora sou anúncio
Ora vulgar ora bizarro.
Em língua nacional ou em qualquer língua
(Qualquer, principalmente.)
E nisto me comprazo, tiro glória
De minha anulação.
Não sou - vê lá - anúncio contratado.
Eu é que mimosamente pago
Para anunciar, para vender
Em bares festas praias pérgulas piscinas,
E bem à vista exibo esta etiqueta
Global no corpo que desiste
De ser veste e sandália de uma essência
Tão viva, independente,
Que moda ou suborno algum a compromete.
Onde terei jogado fora
meu gosto e capacidade de escolher,
Minhas idiossincrasias tão pessoais,
Tão minhas que no rosto se espelhavam
E cada gesto, cada olhar,
Cada vinco da roupa
Sou gravado de forma universal,
Saio da estamparia, não de casa,
Da vitrine me tiram, recolocam,
Objeto pulsante mas objeto
Que se oferece como signo de outros
Objetos estáticos, tarifados.
Por me ostentar assim, tão orgulhoso
De ser não eu, mar artigo industrial,
Peço que meu nome retifiquem.
Já não me convém o título de homem.
Meu nome noco é Coisa.
Eu sou a Coisa, coisamente.
(Carlos Drummond de Andrade)

Textos sobre o tempo e a morte

Hilda Hilst

Da Morte. Odes Mínimas



XXXIV

Tão escuramente caminha
À beira-lágrima
Dentro do meu ser

Que já não sei
De onde veio ou vinha
Vontade minha de te conhecer.

Hoje tão escuramente
Passeias, tardas, te arrastas
Num vasto alheamento
Dentro do meu ser

Que já não sei
Se te pensar foi gesto
Para inda mais ferir
Minha própria mágoa.

Por que, pergunto, estando viva
Devo eu morrer?
Por que, se és morte,
Deves me perseguir?

Aquieta-te, afunda-te,
Morre, pequenina,
Escuramente
Dentro do meu sofrer


II

Passará
Tem passado
Passa com a sua fina faca

Tem nome de ninguém.
Não faz ruído. Não fala.
Mas passa com a sua fina faca.

Fecha feridas, é unguento.
Mas pode abrir a sua mágoa
Com a sua fina faca.

Estanca ventura e voz
Silêncio e desventura.
Imóvel
Garrote
Algoz

No corpo da tua água passará
Tem passado
Passa com a sua fina faca.

Trechos sobre "o tempo"

I. trecho do Cap. 9 de Lavoura Arcaica (Raduan Nassar):

“O tempo é o maior tesouro de que um homem pode dispor; embora inconsumível, o tempo é o nosso melhor alimento; sem medida que o conheça, o tempo é contudo nosso bem de maior grandeza: não tem começo, não tem fim; é um pomo exótico que não pode ser repartido, podendo entretanto prover igualmente a todo mundo; onipresente, o tempo está em tudo; existe tempo, por exemplo, nesta mesa antiga: existiu primeiro uma terra propícia, existiu depois uma árvore secular feita de anos sossegados, e existiu finalmente uma prancha nodosa e dura trabalhada pelas mãos de um artesão dia após dia; existe tempo nas cadeiras onde nos sentamos, nos outros móveis da família, nas paredes da nossa casa, na água que bebemos, na terra que fecunda, na semente que germina, nos frutos que colhemos, no pão em cima da mesa, na massa fértil dos nossos corpos, na luz que nos ilumina, nas coisas que nos passam pela cabeça, no pó que dissemina, assim como em tudo que nos rodeia; rico não é o homem que coleciona e se pesa no amontoado de moedas, e nem aquele, devasso, que se estende, mãos e braços, em terras largas; rico só é o homem que aprendeu, piedoso e humilde, a conviver com o tempo, aproximando-se dele com ternura, não contrariando suas disposições, não se rebelando contra o seu curso, não irritando sua corrente, estando atento para o seu fluxo, brindando-o antes com sabedoria para receber dele os favores e não a sua ira; o equilíbrio da vida depende essencialmente deste bem supremo, e quem souber com acerto a quantidade de vagar, ou a de espera, que se deve pôr nas coisas, não corre nunca o risco, ao buscar por elas, de defrontar-se com o que não é;…”

II. idem, cap. 17:

"o tempo, o tempo me pesquisava na sua calma..."

 III. idem:

"o tempo, o tempo, esse algoz às vezes suave, às vezes mais terrível, demônio absoluto conferindo qualidade a todas as coisas, é ele ainda hoje e sempre quem decide e por isso a quem me curvo cheio de medo e erguido em suspense me perguntando qual o momento, o momento preciso da transposição? que instante, que instante terrível é esse que marca o salto? que massa de vento, que fundo de espaço concorrem para levar ao limite? o limite em que as coisas já desprovidas de vibração deixam de ser simplesmente vida na corrente do dia-a-dia para ser vida nos subterrâneos da memória;" 

IV. Viviane Mosé - Vida/tempo

Quem tem olhos pra ver o tempo?
Soprando sulcos na pele soprando sulcos na pele
Soprando sulcos?

O tempo andou riscando meu rosto
Com uma navalha fina.
Sem raiva nem rancor
O tempo riscou meu rosto com calma.
 Eu parei de lutar contra o tempo.
Ando exercendo instante.
Acho que ganhei presença.
Acho que a vida anda passando a mão em mim.
Acho que a vida anda passando.
Acho que a vida anda.
Em mim a vida anda.
Acho que há vida em mim.
A vida em mim anda passando.
Acho que a vida anda passando a mão em mim

Por falar em sexo quem anda me comendo
É o tempo.
Na verdade faz tempo, mas eu escondia
Porque ele me pegava à força, e por trás.
Um dia resolvi encará-lo de frente e disse:
Tempo, se você tem que me comer
Que seja com o meu consentimento.
E me olhando nos olhos.
Acho que ganhei o tempo.
De lá pra cá ele tem sido bom comigo.
Dizem que ando até remoçando

sábado, 27 de outubro de 2012

Experimentando (envelhecimento)

http://www.youtube.com/watch?v=9mBIGSs9rrs 

Na tarde do dia 26/10, conversamos bastante acerca do envelhecimento e pensamos em algumas imagens: túneis, espelhos, fotografia, congelamento do tempo, etc, que nos levaram a recuperar essa experimentação do "rastro".

obs.: algo aconteceu e o vídeo está meio acelerado... mas creio que não prejudica a ilustração.

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Textos Marcelo


Meu corpo é vermelho e mais vermelho por dentro.
Cheio de viceras, vícios, uma dor rígida, um preguiçoso, um nojento! Corpo de partes que com suas partes não se sente. Quando se atira, descansa. Um descanso quente, um calar quente quese entrega. Só o pensamento se sente livre para desejar. mAs as vezes ele pede para eu ter um pouco de pausa. E eu não consigo.

O amor não é tátil, mas pode estar em palavras, em cartas, em caixinhas. pode estar no tempo.
Pra onde foram os sonhos? os para sempres? Pros cantos das peles mortas. descansam no silêncio confortável.
Tem um buraco de desejo dentro do corpo, nas memórias...O quanto cabe no peito? E nas palavras? As palavras são um corpo ausente, tem nome de corpo, foram enviadas de um corpo para o outro. As mesmas palavras são embaladas de mil formas, significam o tempo, existem porque sou.

Vermelho. Preto amarelo preto amarelo preto e cada gota d'água é uma gota a mais. Escuro e de volta ao vermelho. Arrepio. Vontade forte na boca, tanto que adormece. E a vibração vai fundo lá dentro. Eu, corpo metal de furinhos e aberturas. Calor e frio tão rápido que sinto falta, falta do ventre e seus olhos. brigo pra voltar. Folhinha vai além de si. Folhão é frio e quente e tudo vira ao contrário. é só fechar os olhos.

Peste bubonica cancer pneumonia raiva rubeola tuberculose anemia rancor cisticercose caxumba difteria encefalite faringite gripe leucêmia epatite escarlatina estupidez paralizia toxoplasmose sarampo esquizofrênia úlcera trombose coqueluxe hipocondria cífilis ciúmes asma cleptomania

E o pulso ainda pulsa

E o corpo ainda é pouco


Cena: meu corpo me permite a entrega.
É uma cena sobre o confrontro dos relacionamentos contemporaneos com o romantismo exagerado. Partiu de um movimento de queda pra frente e da frase meu corpo me permite a entrega, para em sua versão final iniciar deitado de bruços, levantar-se, moviento pendular, incerteza(caminhada para trás buscando apoio com os braços), queda (passada em falso), reerger-se, queda, rolamento e saída.

(chão, de bruços)
Meu corpo me permite a entrega
(erguendo-se)
mesmo na ausência, mesmo que doa
cego, me permite amar
(pêndulo, pé no chão)
calma! meu corpo me permite a pausa, me permite fugir
(giro e queda-passo em falso-)
não meu corpo me impede de desistir
(reerguendo-se)
meu corpo me permite continuar
(queda e rolamento)
eu sei cair muito bem.
(sai andando)




Reflexão sobre a primeira cena:
Minha primeira cena individual começava com um movimento de dedo surgido em uma pesquisa de movimento retilineo. Depois tremia intensamente. Em uma reflexão posterior, pensei em me enfiar em baixo das pernas, criando assim um monstro.
Com isso acreditei estar criando uma oposição entre o médico (dotore criado no movimento de dedo) e o monstro (enfiado embaixo das pernas). Não adiantou muito. entendo agora o porque e vejo soluções
Problemas:
Nem o doutor ou o monstro tem tempo suficiente para criar o signo e principalmente falta clareza para ambos.
Posso tanto trabalhar infinitamente mais as duas ou, o que não reduz a necessidade de trabalho, posso acrescentar elementos mais potentes como o pulso ainda pulsa e a mão e a terceira perna.
Depois parto para um krakasahna, movimento dispensável ao meu ver, a não ser que executado com muita intensão. daí para alguns movimentos de yoga que tem também na clareza sua maior debilidade.
Pensei em dispensar o krakasahna, transformá-lo em um rolamento simples, a posição de costas para uma posição fetal e dispensar a ascenção, dispensando o dedo em riste ou treinar o krakasahna a ponto de fazê-lo de olhos fechados.
Meu próximo movimento é a gravidez. Trago a habilidade de dilatar minha barriga desde que posso me lembrar. nas transformações do corpo, a gravidez é para mim um tema central. Minha ideia era renascer de mim mesmo. Pra mim o climax da cena.
A pausa me gerou uma reflexão. Se esse é o climax e se tenho um desfecho, o que me falta é uma apresentação. talvez as transformações devem se encaminhar todas para o renascimento.
Nasço, e do meu coração renasço. Cantava um trecho da música "momento 3" do disco "corpo" do Arnaldo Antunes.
Agora faria com a parte de "Cabimento". "e hoje eu caibo nesse corpo que cabia antes na minha mãe..." Falta pensar esse momento de gravidez enquanto climax e encaminhar tudo para ele, apresentação e desfecho.
No último momento me construo como figura humana e posteriormente me desmonto. Minha inspiração, o homem virtuviano de Da Vinci, era carregada de imperfeição e posteriormente se esgotava. Nunca atingi tal esgotamento.
A temática era o entendimento do corpo enquanto sujeito/objeto indissocíavel, resolução tal que vinha como um renascimento. Minha sequencia individual começava mal e não tinha liga, mas as imagens criadas, principalmente as últimas deram um bom resultado.

Physis, Soma, O corpo, organismo material, distituido de suas funções psiquicas, seguindo a ótica decartiana do penso logo existo compreendemos que não quer dizer que só existe o que realmente pensa..Shhhh... Mas que... Só o que pensa pode questionar a existência. Eu posso estar sonhando... Ou representado um papel...Tem alguém aí???.... Somente o pensamento é capaz de ir da abstração mais elevada ao desejo mais carnal... Quem está aí??? AAAAAAAHHHHHHH!!!!
O corpo se cortado espirra um liquido vermelho.... e se você ficar olhando... se ficar olhando... se você ficar olhando atentamente o anus... Você pode ver crescer o cabelo!! O corpo é a impermanencia que fica... o corpo existe e pode ser pego... pode ser feito... pode ser feito... pode ser feito....


Meu corpo me permite seu corpo.

Meu corpo me impede seu corpo.

Seu corpo me permite meu corpo.

Meu corpo me permite o gozo.

Meu corpo me permite sangrar pelos olhos.

Seu corpo me permite passar.

Seu corpo me impede de passar.

Meu corpo me impede o socorro.

Meu corpo me pede socorro.

Meu corpo me permite pedir ajuda.

Meu corpo me permite me matar.



Paixão: só dela cresce o fôlego de um rumo.




Foi-se. O gesto que o seguiu já era saudade. O abandono veio a boca, imediatamente, como um gosto amargo.






Tem uma hora em que eu não sei se meu coração vai pulsar outra vez.
Entre uma batida e outra há um silêncio de velório.
Então ouço as vozes, os choros, sinto o cheiro de vela e os tapinhas no ombro me mostram que ainda não foi dessa vez. Eu ainda habito.





Minha carne é vermelha, branca, marrom, azul e quando eu me movo eu me sinto mudar de cor.

Minha carne é seca e quando eu me esfrego , eu sinto como se eu deixasse ir.

Minha carne é aspera e quando eu me arrasto eu sinto como se eu me rasgasse.

Minha carne é macia e quando eu me provo eu sinto o cheiro de nós.

Minha carne é dura e quando eu pingo eu sinto como se eu descansasse

Minha carne é móvel e quando eu me espremo, sinto como se eu estranhasse.





Tá com medo de que???

Já caiu tantas vezes...

o mundo é muito alto.

vou lá, não vou

vai de cara!!!

Alguém me segura!

Me deixa sair

Me solta

Por favor, me solta??

Eu quero sair daqui!!

Sempre volta.
Tá ouvindo?
e vem cantando... o galope da tempestade
eu me solto é como se eu deixasse.
Deixa? não não...
me larga, me deixa
por favor, me larga!!
E fica o vazio.
Minha sorte é que eu escoo
Minha carne é água e eu lavo o cheiro de nós.




Caderno II

As coisas não começaram aqui. Aqui elas são transformadas.


Tenho a alma suja
Entenda
Fico tramando quando o desesperose ausenta
E nada de desperdiçar meu..
meu olhar e ouvidos com esguias condolências.
Meu corpo é meu templo e o inferno do outro
Alvo dos olhares periféricos.
abuso e sou abusado.
Os dedos sôfregos já conturbados por um tipo de mal
esqueceram como estalar a trilha que levaria ao teu leito
Amor fuleiro...
Agora, tenho aversão aos sentimentalóides que,
como eu não sabem lavar um par de pernas.
Saber mentir é um resquício de humanidade
e eu não terei muitos prazeres, nem muito tempo.
Minha carne é perversa.
Eu tenho sabor de vida
um gosto de mim que dura o tempo de uma chupada.
Textura escamosa do fruto que eva comeu.
Quer? Aqui moram o bem e o mau, meu bem.
Amor feito de víceras, de matérias várias, de mel.
amo tudo o que pode ser, amo o que é,
amodeio tudo o que pode e é. O que é?
Sou eu! Olha pra mim, pro meu olho de fogo,
olha para o meu peito, é de mundo, é a bendita.
Eu digo sim, eu abro meus braços que são belos,
belos braços roliços e duros.
Vem! Não sou simplesmente asqueroso,
 deve haver qualquer coisa de admirável em tudo isso que sou.
Desse pedaço de mim há de se fazer um outro eu inteirinho,
um outro feito de mim, um construtor de águas, nu no corpo, nu por dentro.
E sem medidas.




Nem o calor é o que era. Tô passado... Quero uma faca, um basta, um vento fresco na casa. Os tempos de aguardo agora estão secos. Falta-me o ar no cérebro, sobra no coração. E riram de mim quando à porta falei em crime. Não sabem como não olhar pode ser mortal. Escuto ao longe o tempo gritar meu nome enquanto me arranca outro pedaço. Fatia-me aos poucos enquanto trago, um gole, gargalho. Toma, me leva consigo, eu deixo, eu gosto.  Fazer o que? Morrer? Morrer é pros inflamados e no fim não faz diferença, a sentença só é mais longa para os pacientes. Eu só olho e como, e como.


-Deixa?
-Não...
-Deixa...
-Não quero.
-Deixa.
-Não! Quero ir embora.
-Deixa!
-Me deixa! Pro favor, Não!! Sai, me larga! Me deixa sair! Me deixa Sair!!
-ME LARGA, PORRA!!

Minha carne é santa.




Qual a minha compulsão?

Quando amo, sou o quê?

Quando aperto, o que em mim acorda?

O que sinto quando não sou escolhido?






Perguntas a mim mesmo.

Paixão?
O encantamento e dedicação ao que amo.

Amor?
O que me move no tempo.

Tempo?
Uma grande mentira. A mentira rainha.

Se fosse uma mentira, seria o que?
Um rio cheio.

Seu maior sonho?
Viver até esquecer.


Brasiliense, ótimo cozinheiro, sem vícios. Seco cabelo. Ofereço-me. noturno/diurno, finais de semana. ótimo profissional. motorista. assessoro, atendo-telefones, clientes, casais. Auxilio. Sou caseiro. Danço, já me disseram que eu poderia ser modelo... Cuido. Embalo. Entrego.  Recepciono. Lavo. Panfleto(já panfletei diversas vezes) Pinto. Posso ser seu secretário. Investigo adultério. Melhoro sua monografia.



Cena: Venda da carne. Ofereço para o público o meu corpo como um produto a venda, uma peça de carne por um salário mínimo para fazer serviços do classificados. uso como atrativo o preço baixo e a variedade de serviços. A temática é o uso do corpo e sua venda como mão de obra primária, passando por fatores sociais e históricos de genero e raça.

(gestos chamando a atenção)
Olha a promoção!
Olha a promoção!
Oferta mais barata que essa não tem, heein!
É só hoje, se não levar agora, não leva mais, é a festa da carne!
(Aponta para o público)
Vai querer? Vai levar, fregueza?
(fala desabotoando a camisa)
Me ofereço por 622 reais! É isso mesmo, só 622 reais. Mais barato que isso só pintado de preto.
(olha pra público)
Não gostou? Não precisa levar a peça inteira,
Tem pra todo bolso,
Tem carne de terceira
(pontilha os pulsos)
tem carne de segunda
(pontilha o peito)
de primeira
(pontilha a cabeça)
Pode até pagar por hora
(desenha o relógio na testa. Olha para público escolhe um)
Não? por favor, me leva? Eu aprendo rápido, sou obediente...
Se você me der essa oportunidade, prometo te fazer feliz. Eu lavo, eu cozinho, auxilio.
(para outro)
Atendo o telefone, a porta, as visitas.(muda o tom) Atendo casais.
(Para todos)
Sou cuidadoso!Não tenho vícios...
(escolhe mais um)
Posso dirigir, fazer entregas, faço noturno e diurno, fim de semana, qualquer coisa...Sou certificado!
Posso ser seu secretário, seu acompanhante... Eu danço... E já me disseram até que eu podia ser modelo.
(pra todos)
Eu investigo adultério!
(Escolhe outro)
clono o telefone dele, só dizer o número.
Melhoro sua monografia.
Pede! Eu faço. O que você quer?
(abertura para pedidos, a cena termina ao ser comprado)




Eu me sinto escuro quando você me descobre.

Eu me sinto oco quando você me infla.

Eu me sinto só quando você me esfrega.

Eu me sinto bem quando te aperto.

Eu me sinto igual quando você me olha.


Eu sou ridículo. E tudo mais.


Eu quero o fim do mundo!
O fim...
É nessa cama crua que nascem os monstros.
Os corpos se arrastando entre o meu espectro, um sobre o outro, sem partes...
E eu, tapando os olhos, vendo cinema entre os dedos, pequenino entre as poltronas.
Eu queria dormir, mas a raiva e a náusea acordam o bicho comedor de estômagos. finjo civilidade e ele me morde o rabo, tem hora que quase vem a boca para mandá-los até lá.
Sorrio. e entre uma dentada e outra ele ri de mim, da fraqueza em mim, parte podre que ele se recusa a comer.
tudo bem, tudo bem. até você se descobrir estranho por dentro, sentir a besta te mastigando as entranhas, mais rápido que o câncer.  Ela come, cospe e caga em mim. trepa em mim, me fecunda. carrego o filho da besta aqui dentro. vou tê-lo pela boca, pelas mãos, pelos olhos. Serei escoado por ele, serei devorado  por ele e de mim só sobrarão as fraquezas e as mentiras.

O tempo era branco e quente. Os reflexos confusos do tablado prenunciavam a suspensão.
Desejo então ver surgindo entre o verde do jardim a antiga pelagem dourada, as pegadas pesadas revelando o mundo jovem. Os olhos ambar revolucionariam esse lugar. Nem precisariamos olhá-los. A fera revelaria a fera na gente. Trairíamos a nós mesmos mostrando o que somos. O medo é nu!
Eu finjo meus "tudo bem", e você?
Eu nunca soube.
Esse é um momento em que evito os olhares,
não quero te ver acuado no escuro.
quero tudo bem.


Há vida na morte.
Sei disso pelos fantasmas que atravessam esse deserto.
De nenhum lugar para lugar nenhum e de volta.
Os vejo aos bandos quando paro por aqui, tão iguais que os julgo os mesmos.
Alguns devolvem o olhar, assustados com a minha aparição. Mas sou de carne viva, palavra.
Não existo só porque pretendo, mas porque há em mim um calor dentro, que por ser calor e por ser dentro provam que sou feito de gente. Sou de vício. Esse de devorar as coisas com os olhos.



Surra

Cena: Arma, fim do corpo. A arma com instrumento de poder e o poder do corpo a cima da arma. De cueca em uma cadeira.

(apontando a arma. no meio "paw" com a boca. inicia a fala)
Meu pai só me bateu uma vez. Ele não é violento, apesar da família toda ser. Só meu tio-avô matou trinta e dois. Mas meu pais sempre teve armas em casa e eu,(giro da arma) curiosidade. Eu era pequeno, devia ter uns seis anos. Fui até o armário do escritório, coloquei o banquinho e abri a porta onde eu sabia que elas estariam. (começa a passar a pistola) Eram três, dois revólveres e uma pistola. Eu peguei a pistola. (engatilha) meu irmão estava deitado na sala, assistindo TV, eu subi nele, encostei o cano na nuca...(encosta o cano na própria nuca) Ele só sentiu o gelado.(muda para baixo do pescoço) meu pai abriu a porta na hora (atira) Um sapato me atingiu a cabeça.(arma baixa, olhar baixo.) Eu cai no chão, meu irmão me matava com os olhos, veio a chuva de tapas.  Me cobriam o corpo todo, eram pesados, ardiam, tapas de mão cheia. Não aconteceu nada, eu só tava brincando,  Eu... Eu me sentia amedrontado, pequeno, descoberto, eu me sentia traído. Eu só pensava no gatilho... até hoje eu penso...








Música: Cena do carrinho de compras
(carrinho passeia com corpos dentro e fora. Os corpos vão sendo trocados enquanto o carrinho passeia. Todos cantam.)

G D
Você pode me dizer o que eu sou?
Prego, pasta ou coisa de comer?
Se eu vivo no lixo, eu sou o quê?





Ela, a minha estranha. Ela já não me olhava de frente. Buscava entre os detalhes dela a certeza da existência de algo nosso. Quanto tempo tem? Não lembrava como era quente...
Ela agora me olhava, mas não via. Sua ignorância me feria mais do que o toque. Eu resistira tempo demais, só me restou um riso ruim, algo que era dela e eu deixei, apesar de nunca ter gostado. Eu a acompanhava como um cão, e agora via como nos tornamos alheios. Certas coisas preferi calar. Outras disse. Já não sei se disse o que preferia calar ou calei o que queria dizer. Eu não quis dizer, mas precisavamos descobrir o tempo.
Dariamos conta?
Os laços de carne me chateiam.



Não mostra! Não pode, é feio.
Se você mostrar, eles vão ver que você também tem o monstro e arrancam ele de você.
Não fala, engole!
Põe as partes que não cabem pra dentro, dobra, sei lá. Ai de você se sobrar...
Não toca!
Tem coisa no mundo que é só pra desejar.



Querer sair é natural, sair é que não dá

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Texto a partir de "Cadáver Esquisito"


TEXTO A PARTIR DE ‘CADÁVER ESQUISITO’(JOGO SURREALISTA)

Minha carne está insossa, só falta.... falta tudo. A minha carne é cega.
Tropeço em minhas pernas. Deixo partes ao invés de pegadas. 
Meus pedaços ausentes existem e o cheiro da terra molhada não sai dos meus pés. 
Me enterro no abismo do vazio enquanto minhas narinas se entopem de carne, meus pés dormentes gritam.
Meu corpo perde a razão (há? havia?) quando é impedido de agir. Se então gritasse, não só os pés gritariam, mas ele todo:
- Sou todo, célula por célula, vibração. A voz me expande para o universo.
E flutuando na correnteza sanguínea, imagino seus lábios partidos.
Seu sorriso quebrado gargalha, enquanto seus dentes quebram ao cair no chão.
Com meus dentes caídos construo uma muralha que não sorri.
Saio do sonho, meu corpo pesa e me prende no chão.
Essas marcas da carne guardam antigas estradas.

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Música II

O corpo de dentro pra fora é instante, é memória, é o começo do mundo, é mergulho profundo, passo, caminho, estrada, é um rio de sangue, é água salgada, é nada, é nada, é nada, é nada, é nada, é nada.

O corpo de fora pra dentro é trabalho, é momento, é investimento, é imposição, é a medida da batida de um coração, é carne, amor e morte, é pão. É não e não e nåo e não. É um, é muito, é pouco, é corpo, é cor dos corpos, corpos porcos, porcos...!! Corpos, copos, cheios, cheiros, loucos, ocos, feios, são.

 A minha carne é minha carne é minha carne...

Começa e termina no ponto final.

Tudo que se faz é com ele.
O que será que ele faz de mim?

Morangos Mofados (trecho)

Ao mesmo tempo, para todos, era extremamente cômodo e perfeitamente insuportável permanecer assim, no meio do parado, suspeitando vôos de morcegos por trás das janelas fechadas daquele quarto onde, quem sabe, apenas as âncoras ancoradas nas paredes poderiam indicar qualquer coisa como - um rumo? E finalmente, por uma longa série de razões vagas fundas baças tolas ou ainda mais confusas, esse tipo de coisa era praticamente tudo que se poderia dizer sobre eles. Assim lentos, assim amargos, assim surdos, assim fortes até. Sobrevivendo à morte de todos os presságios.

Textos e cenas (LUPE) I


CRIAÇÃO CÊNICA 2012 – TEXTOS – LUPE LEAL                06/OUT
I.
Tudo mudou aqui por perto com o muito passar do tempo, mas eu estou no mesmo lugar. Esse lugar incômodo da passagem. O mundo passa por mim a cada segundo. Que silêncio na vida... que silencioso esse trajeto. Acaso existiu de fato alguém que viveu a vida como se vive a memória? Haveria tempo pra deixar o corpo absorver cada experiência? Há como saber disso? (Se ou como acontece). Cada novo instante inaugura um novo tempo do corpo. A carne é um ir-se embora sem cessar. A carne quer ir embora do mundo. Ela só sabe despedaçar-se. Ela é fraca, frágil. A carne não pertence a lugar nenhum. De onde veio? Da terra?! Hahahaha! A ciência diz coisas tão horrorosas sobre as coisas que eu sou. Carnes não pertencem, nem são naturais de espaços ou tempos. Carnes são objetos em trânsito: de medidas, de formas, de lugares e épocas. Tudo muda na Terra, nas coisas, nas coisas que haviam nas coisas e naquilo que se dizia sobre tudo isso, mas a carne continua carne. E é aqui dentro onde eu permaneço estando. Eu continuo morando aqui, enquanto essa pele não cede. Ai! Se isso acontecesse, deixaria vazar tudo. Tudo que esconde... e a minha carne não quer isso.

II.
Que bonito, né? O que se produz aqui... dentro de mim. Esses braços que pintam o que os olhos viram e a cabeça chocou como um ovinho frágil até nascer. Que bonito o mundo parido por corpos. Corpos que agem, inter-agem, estão aqui para transformá-lo. Os corpos vão e o rastro dos corpos ficam. O que ergueu cada mão e onde esteve cada abraço, lágrima e muitos montes de merda. Os corpos são passagem. Os corpos comprovam que há vida. Agora! Que há gente. De carne, de carne, de carne. Carne que quando se mexe fala... dança, canta, fere outra carne. Fode. Entra em outra carne. O que seria a vida senão corpos? Corpos que se agitam na vibração incessante do tempo. Corpos se mexem. Corpos estancam, se travam e se confundem. Preenchem espaços e constroem estradas. Cada pedra no chão desta cidade está ligada a um corpo que a moveu (e quem dirá o que a removerá? E por quê?). E aquela foto? Os corpos viraram luz? Naquela lápide há um ex-corpo? Pra onde ele foi? E minha mãe... e minha avó... Onde está depois que esteve? Os corpos choram... os corpos choram água, cheios de água que são: excedem. Corpos transbordam coisas todo o tempo. Todo o tempo. Todo o tempo. E se cansam... e se percebem. E se entendem mágicos, portanto, mágicos que são.

III.
A matéria que me integra, que hoje é pele, é peito, bunda e unha. De onde veio? Era antes um pedaço de terra? Era uma estrela caída? De que sou feito? Onde estavam os átomos que hoje, por enquanto, me pertencem? Meu corpo é um pedaço de cosmos, do universo. Um algo que se organizou pra me ser. Que caminhos percorreu os corpos dos advogados, dos presidentes, dos artistas? Quem sabe já foram pedras. Quem sabe um pedaço da minha perna era uma lasca de parede ao lado do cérebro de Fernanda Montenegro. Tudo que eu sei (quem sabe até tenha certeza...) é que os corpos do mundo se encontram o tempo todo em todos os tempos. Ora o mundo é um corpo de corpos. Ora o universo é um infinito de corpos tentando desesperadamente se encontrar.

IV.
Você me beslica, e eu sou posto à prova. Sopra os meus olhos, meus ouvidos, quer entopir meus sentidos. Pra que?
E tudo vira e os corpos mudam e a gente de repente se precisa. Sem muitos por quês você põe tudo de lado e vem cuidar de mim. E eu me sinto doente e apático quando você me banha com mãos redondas e aflitas de mãe. Não distingue cu de narina, nem um braço de um pinto ou qualquer coisa que me humanize um pouco. Esse carinho tão doce combina tão pouco com você... encolhido em seus braços, me sinto mais um rato que um homem. E tudo é desespero e então do então, do então, do então, do então... a gente segue indo. Amarrados pelos cabelos e nos arrastando como quem arrasta uma parte doente de si. Quando é você quem me leva, sorrindo pra mim, eu te ajudo a me torturar pra que você não se aborreça nunca. Somos tão esquisitos. Depende do dia, da hora, dos sinais que o corpo dá sem querer e daí nossos encontros serem coisa que sempre começa e termina.
E eu me sinto insuportavelmente acolhido quando você me espreme no abraço mais apertado, com braços, tronco e pernas. Eu fico. A angústia é o tempo. Quanto mais tenho mais, menos terei. Eu penso e me encolho, e vou me encolhendo até sumir. Ah! É tudo nosso aqui, tudo é permitido. Quando você me espeta os buracos do corpo e gargalha, me sinto tão íntimo. Como se por aqui entre nós não coubessem pudores. Tudo que penso, faço; todos os dias te mato um pouco. Vou levando uma parte. Vamos trocando de pele, de rosto, de sexo até.
E eu me sinto sem rumo, sem razão. Eu me sinto sem fogo, nem vontade. Eu monto em você, eu te esmago, eu te estapeio... e você fica pálida e pede silêncio.
CENA INDIVIDUAL (MOMENTO I)
LUPE

(sem camisa, com uma caneta preta para desenhar sobre o corpo)
Inicia movimento pendular, que permanecerá até o início do texto.
Mão vai à frente duas vezes indicando tentativa de apreensão. Movimento de lançamento da mão acelerado e recuo lento.

A vida exige demais da gente...

Eu já tô aqui tem muito tempo.

A minha carne é labirinto.

(sorri)

Quatro amores o percorreram.

(com a caneta na altura da base da garganta)

E deflagraram.

 (começa a desenhar um labirinto)

E arreganharam.

(expande o corpo, arqueia os braços e pernas)

E me amaram...

(arqueia leve e lentamente para trás)

Me amaram...
Me amaram.

(volta para posição ereta)
(caneta assume lento movimento de apunhalamento no umbigo)

E me derrubaram.

A minha carne é burra.

(movimento de apunhalamento passa a três lugares cíclicos e torna-se mais incisivo: lateral do pescoço, pênis e nádega da lateral oposta à do pescoço. O corpo se movimenta com esquivas dos golpes.)

E quando eu a machuco, eu sinto que ela entende que merece ser punida.

(volta para posição ereta, ofegante)

FIM

SUGESTÃO DE FRASES INDIVIDUAIS PARA CENA I – PÊNDULO COLETIVO
LUPE

‘Enraizado’, em posição ereta, olha para frente.
Inicia movimento pendular.
(frases se seguem com pausas intermitentes e movimento pendular)
Quem sou eu?
Eu sou este que está aqui.
E que porra é essa?
Isso daqui é viver...
                               Viver...         
(gargalha)
(inicia movimento angular)
... viver...
(gargalha de maneira crescente à medida que faz um movimento angular, até completar uma volta completa)
... viver.
(de volta à posição inicial)
Daqui eu consigo me ver bem.
Eu tô sentindo...
Daqui eu vejo e sinto até a minha bunda!
O resto não me interessa.

(daí em diante, varia com movimento angular e de desequilíbrio, repetindo até o final da cena o texto a seguir)
Eu já cheguei...
... o resto não me interessa.

FIM

TEXTO PARA CENA DE DUPLA – O DESNUDAMENTO DO CORPO (A INTIMIDADE)
CLARICE E LUPE

I. TEXTO PARA QUANDO QUEREM AMBOS TOMAR O CHAPEU QUE CAIU NO CHÃO:
Ambos se abaixam param apanhar o chapeu, o HOMEM impede a MULHER de fazê-lo.
HOMEM Não! Santa...
Eles se levantam e ele a acaricia no rosto com as duas mãos. Ele se abaixa novamente e ela o acompanha.
HOMEM (sempre carinhosamente) Não... Santa! Não! Deixa!
A cena se repete mais uma vez, mas quando voltam a ficar de pé, enquanto a acaricia, o HOMEM dá tapas de um lado e de outro no rosto da MULHER, ainda chamando-a de ‘SANTA’.

II. TEXTO PARA QUANDO MULHER ‘EMOLDURA’ O HOMEM:
Enquanto encaixa a moldura no corpo do HOMEM de várias maneiras, arranjando-o para adimirá-lo.
MULHER Lindo... perfeito!
O comentário se repete a cada vez que ela o arruma de maneira diferente.

III. TEXTO PARA MOMENTO FINAL (APÓS A MARCHA NUPCIAL):
Sentados um diante do outro, o HOMEM e a MULHER.
HOMEM (tomando o chapeu como um espelho) Eu que observo de dentro, serei para os que me vasculham um completo borrão?
MULHER (tomando o chapeu que ele lança a ela) Você me pergunta quantas solidões cabem num corpo. Eu tremo. Pois lembro que o corpo se extende pra além da sanidade. As fronteiras são instáveis, as linhas do rosto indicam um final. Você se lembra? Quando foi que estes corpos se perderam..?

FIM


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TEXTOS CRIAÇÃO CÊNICA – LUPE                               22/OUT/12
I.
Rasgar a roupa, romper a roupa, tampar com roupa, roupa, roupa, roupa. De onde e pra quê? O importante é tampar, o interessante é destampar... quanto mais, mais se muda, às vezes não tem nada a ver com você. Roupa é verbo do corpo: verbo ter, verbo parecer, verbo esconder, verbo comprar, e daí? E os corpos onde ficam? Retalhados, recortados, proibidos de ser por completo. E o frio? E o calor? E o carnaval e as modelos desempregadas.. como seria... todo mundo nu...? Todo mundo de calcinha e sutiã e cueca... no máximo? Não.. já seria muito! A roupa íntima nos põe tão íntimos... falsos íntimos, nos faz rir, parecemos amigos: que besteira... amiguinhas no quarto... amigões no vestiário, os pintos e bucetas bem guardados, pra ninguém ver. Quando sacá-los, a quem mostrá-los? O vaso, a moita veem mais a bunda que as pessoas!! As vaginas estão cheias de absorventes e não de afeto. Sobre a minha cabeça não uso roupa, porque disseram que não. Que deus me ajude e que o diabo me esquente. Eu tampo porque tampa-se, eu uso porque usa-se... meu deus.. eu não sei nem costurar.


II.
A coisa é assim. Eu tô andando assim aí de repente: começa! Eu vou sentindo de baixo pra cima, começa que nem um mosquitinho na pele, aí eu começo a suar, e daí tudo por dentro, né? Aí vai aumentando aquela coisa. Vai sendo grande a coisa. A coisa vai subindo pelas pernas! Ai! Ai! A coisa quer que você abra os braços, dê uns pulos, grite, grite! Grite qualquer coisa que não seja uma palavra: um urro! Urre! Urre! E morde os dentes, morde os lábios. A coisa domina você e você, dominado pela coisa, de repente se percebe muito feliz... é um contato irrecusável com o instante. Você dominado por essa coisa, você em contato com o presente do corpo, com o tempo do corpo. Igual todo mundo no mundo, de vez em quando...
(entra uma pessoa atravessando o palco)
- se toca!
Outros começam a entrar paulatinamente e começam a dizer também de maneira intermitente e em variadas intonações:
- se toca!
- se toca!
- se toca!
Tudo ganha certa melodia e dança.
Depoimentos intercalam com a cena

IV.
Homens não veem, nem ouvem: vamos falar sobre olhos e ouvidos que simplesmente não funcionam. Deus... (Deus!) me pôs no mundo. Nasci. Do nada, abri o olho. Depois de dez anos disso tudo, descobri que na vida tinha que ter responsabilidade. Ainda não descobri o que é. O que eu tento fazer do que acho que é, não funciona. Tenho medo. Tem que ter medo no meio. No meio do caminho, você se pergunta: o que é ser responsável? Se o homem sabe que tem alguém que o vê e ele não vê, ele sabe que está em desvantagem , então, o que eu tô dizendo é... que porra é essa de responsabilidade? Tenho certeza de que tudo que eu fiz até hoje até agora não foi pra ninguém fica triste, não faço mal a ninguém.. as pessoas são simplesmente infelizes de vez em quando e foda-se a natureza do homem, a ovelha negra do homem ou o caralho do moralismo...

V.
Grita! Grita pra eu saber onde você está. Grita sempre sem a menor necessidade. Grita!! Eu quero que você aja sempre como se eu estivesse aqui. Não sou teu colo! Não vim ser colo! Sou algo de que você não pode abrir mão. Sou aquilo que justifica teu corpo, aonde chegou e em que estado se encontra. Vê? Vê como há tantas coisas que escrevi nessas coxas? Abre aí e lê, deixa jorrar da vagina um manuscrito. De cada poro há de sair uma história que eu coloquei aí dentro a ferro. Vai lendo e me conta..