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quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Cena Alê e Lupe - história do pé


CENA A PARTIR DA EXPERIMENTAÇÃO: QUANDO OLHO O MEU CORPO, É COMO SE EU ESTIVESSE LENDO MINHA HISTÓRIA
LUPE E ALÊ                                                                                                                                                          30/OUT/12

(Começa música ‘Un rayo de sol entró por la ventana’ enquanto Alê caminha pra trás de costas, deslizando os pés, suavemente, deixando a planta do pé bem exposta. Depois de dar quatro passos, o texto começa a ser lido por outra pessoa)

Olha você, eu sempre tive vontade de tirar você do chão. (Alê vai se abaixando lentamente até se sentar, com as pernas esticadas e olhando fixamente para os pés) Ai... sonhava tanto com isso. Você já tinha corrido o universo inteiro do quintal, doido de vontade de botar seu peso em terra nova.

Olha você, tortinho igual à vovó. (entorta dedos do pé) Desculpa? (se dobra para aproximar o rosto dos pés, depois volta a ficar ereta, ainda sentada. Deita-se, com a cabeça voltada para a plateia e os pés na direção oposta, começa a trazer o pé direito em direção à cabeça, deslizando no chão formando um arco) Acabou que a gente viajou tanto, né? Terra quente de Goiás, Tau-ba-té, Giparaná, Rondônia, Viena!! A calle Maipú, a calle de Atocha! Você sustentando meu corpo e eu pfffffffff (barulho de vento, enquanto o pé direito sobe num arco em direção ao lado esquerdo, Alê ainda deitada. O pé esquerdo agora vem deslizando no chão até a cabeça, como estava o direito).

Olha você! Um povo inteiro na tua planta! Cada pedra em que pisou respondeu com uma linha, uma linha nova de história acontecida! Ah... como é que um dia eu vou reclamar do seu cansaço se essa tua casca só me faz lembrar do tanto que já voei... (durante essa última frase, o pé esquerdo se eleva sobre o corpo e junto com o direito são jogados pra trás, como quando saímos da posição da vela. Os pés balançam verticalmente num movimento suave, como asas)

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Ele.


"Não vai doer nada...
 É gostoso, né?
Só mais um pouquinho...
Agora é sua vez".

Engraçada essa tal inocência... Gostar, sem saber que é errado. Mas por que nao posso contar pra ninguém? Então é errado?
Mais engraçado ainda é não sentir raiva... Nem prazer. É bom, mas não é prazer. Não há de ser. Não pode ser. Uma menina tão pequena? O que seria? Sei lá. Você saberia me responder.
O escondido seria mais divertido que o próprio ato. Eu tinha um segredo. Eu talvez seria mais madura que todas as minhas amigas juntas... Que ingênua.

"É grande, né?"

Coitada... Alimentando o ego de um... coitado.
Era quase um boneco de brinquedo, que eu mal sabia manusear. Talvez por isso gostasse mais de ser ELE do que ELA.
Por favor, o que se passa na cabeça de um infeliz que toca o que mal acabou de nascer? Invade toda uma história... futura.

"Tira a mão, por favor. Minha mãe pode abrir a porta".

Por favor, eu to pedindo por favor... E ainda resta a tal educação. Ou medo. Medo de não ser mais... criança.
Meu corpo sente vergonha de ser. Medo do toque.
Culpa.
Muita culpa.
Esconde. Mal se olha no espelho.
Meu corpo se julga feio. Não acredita em si. Mal se sente mulher.
Meu corpo ficou lá atrás, distante de mim. Descolado da alma.
Eu nem lembro do seu rosto, e só agora sou capaz de sentir ódio. Cresci... E espero que você morra, impotente e incapaz.

Texto da Menina - Velhice

Menina, 
o céu era azul e bordava a minha juventude
tapava os olhos para enxergar o mundo
e achava graça dos cabelos brancos de nascença

Menina,
eu já fui como você
o tempo caminhava à meu favor
desenhava a linha do tempo,
gargalhando dos limites

Ah menina,
queria ser chamada de menina
procurar o brilho nas fotografias
e arremessar a pedra na amarelinha
até chegar ao céu

Menina,
meu sorriso é de lembrança
meu medo; esquecimento
e minh'alma de menina,
sempre menina.

terça-feira, 6 de novembro de 2012

Textos (antigos) meus que podem dialogar com a depressão


sem título

deitada na cama ela dizia que esperava por alguém mesmo sabendo que isso nada mais era do que continuar deitada na cama até mesmo quando alguém chegasse porque esperar alguém deitada na cama ou em pé ou no sofá ou no banheiro é adiar o dia de mudar de atitude em todos os campos visíveis da vida esperar por alguém é basicamente a atitude que todos tomam ao sentir dor no peito ou na cabeça todos os tipos de dor podem remeter a alguém que ainda não existe ou que existiu e sumiu esperar por alguém nada mais é do que usar uma válvula de escape que não existe
pois bem ali deitada na cama ela pensava que esperava e chorava pois da cama não conseguia sair e o que mais doía: não conseguia pedir para sair. só sabia esperar porque esperar não pede verbo nem voz nem ação física e isso doía nela isso era covardia e por isso ali esperava.
por alguém. que a salvasse quem sabe da cama onde ela morre afinal esperar alguém na cama sem saber se levantar nem pedir licença é morrer
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Ensaio sobre a minha tristeza 

O mundo vive e pulsa lá fora.
Eu luto contra o pulsar e o viver daqui. A vida ta me chamando há tempos. Tenho alguns tantos livros pra ler, línguas pra aprender, músicas pra ouvir e habilidades pra desenvolver. E elas urgem. E eu aqui.
Existe uma covardia maior que a minha vontade: ela me atola. Ela me anula.
Não sei se deveria escrever sobre a minha loucura ou sobre a minha tristeza.
Guardo toda a consciência. E nela tenho diluída a minha loucura.
Minha garganta dói, porque grito.
Grito até não poder mais.
Por não saber mais falar.
E por ignorar tudo o que sei.
Eu grito, e mesmo gritando cada vez mais alto, a voz lá de dentro continua audível. E estridente.
Eu sei que estou agindo errado. Que estou indo pelo caminho errado. E que estou simplesmente adiando as coisas.
Eu sou tão fraca, meu Deus.
E essa fraqueza é forte. Pra você ver... Essa fraqueza move mundos e estraga momentos. Estraga felicidades.
Me pergunto todos os dias da minha vida onde está a minha certeza de que viver vale a pena. Procuro todos os dias no espelho o sorriso que tinha. A certeza de que algo em mim brilhava.
Eu a perdi.
Perdi  a sensação de que sabia me expressar e ponderar...
Perdi a sensação que tinha ao entrar no teatro.
Hoje toda a minha crença é um pouco descrente.
Já ouvi algumas vezes que alguém me ofuscou. Ninguém sabe quem, mas todos percebem que eu estou sem brilho.
Começo a sonhar e me corto.
Me estanco.
Não sei para que estou vivendo.
Não sei porque estou me lamentando.
Porque estou escrevendo, se podia estar lendo.  Estudando. Me aprimorando. Emagrecendo. Conhecendo.
Não sei.
Estou INSATISFEITA e não faço nada por isso.
Vou levando e empurrando pela barriga.
Na verdade nem sei.
Às vezes acho que estou satisfeita.
Nem isso eu sei.
Não sei de nada.
Tchau
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A euforia normalmente sinaliza alguma coisa. 
Vezes antecipa sorrisos, vezes é contida em choros. 
Não dura muito. 
E sinaliza algo. 

Ontem ela sinalizou o nó. 
Fez-se dentro da minha garganta, do meu estômago, e imobilizou meu braços. 
Meu dedos. 
Minha palavras.

Quando eu estou eufórica
Paro.
Reviro os olhos e me vejo.
Vejo ali o nó, me mostrando: não há alegria plena. Há sempre um pouco de tristeza na alegria que digo.

Não o queria nem sei quem o fez.
Eu? Você? Outros fora e dentro do mundo pequeno que habitamos?

Não sei.

Sei que tenho saudades e vontades e tudo o que faço é fingir que não as vejo.
Finjo que não vejo esse nó maldito.
Ser forte.
Je ne regrette rien, repetidas vezes...

Por isso talvez passo tanto tempo sem escrever. Já não sei mais o que dizer quando sinto tanta coisa.
Tanta coisa que não sei dizer. Amarrada, mal-compreendida, duvidosa...
Bastam apenas palavras?

Medo. Medo. Medo. Um pouco mais de medo. Saudade. Vontade. Desilusão. Culpa. Amor.

Isso tudo vai passar... Já se passaram tantas coisas... Eu sou um rio que se deixa sentir a água correr por entre ele...
Um rio que sente a correnteza, a calmaria, recebe vermes e flores, plantas...

Eu sou um rio que passa pela minha vida.

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Eu mais não sei quem sou
Apenas suposição sou eu caminho sempre caminho
Eu caminho todo eu cheio de pedras este.
Pedra sempre. Pra lapidar, pedra pra virar.
Pedra pra tirar.
Pedra pra passar.

Sempre a tristeza volta.
É o preto que tem imagens brancas ou o branco que tem o preto?
Acabo por acreditar
tristeza é preto.
naõ tem fim.
apenas imagens brancas, ilusões, alegrias
alegria tem fim
felicidade, sim.


Minha vida é truncada pelos outros
Eu não sei quem eu sou.
Já não sei dos meus principios. Isso que está em mim
Será que isso
Vem de você ou é meu?

Me cegaram.
Jogam flechas e eu nao sei quem atirou
Estou machucada e penso até se alguem atirou
Ou se foi o meu desespero que me feriu
Se estou louca então
Viajando
Viajando preferia eu estar.
Decidindo por mim.
Agindo de acordo.
Livre pássaro.
Quero ser-te, repito, sempre.

Ta tudo errado em mim.
Para de me embaraçar..
Me dá minha vida de volta.
Não vive por mim, não.
Não me impede.

Me deixa continuar o caminho.
(Cansei dos olhos sempre como feridas estancadas prontas para jorrar a qualquer momento jatos de infelicidades mal explicadas).
Cadê meu poder de expressão?
Cadê a compreensão que tinham em mim?

Fizeram com que eu me odeie.
Não sei se vivo mais meus sentimentos.
Vivo apenas uma vida material para que um dia possa eu ser dona do que sinto.
Mas tô só olhando meu coração
Agora ele tá sendo guiado por outras pessoas
Pelo mundo

Ou não.
Talvez eu tenha mesmo enlouquecido.

desabafo momentâneo escrever não me rotula escrever não me define escrever não é para estagnar desabafo nem escrita. simplesmente desabafo.
título: pois eu sei que tudo isso devo viver. tudo aquilo tive que ver. eu sei. sofrer é a melhor saida.
mundo
moinho
esse
que
pede amor.
já não sei mais se eu que vou ajudar a dar.
talvez eu ja faça parte dele e tambem precise.

talvez não. talvez amanhã seja um novo dia.
mesmo não me guardadando para o carnaval chegar.
mesmo não acreditando em carnaval
mesmo não sabendo o que é isso
mesmo não vivendo o mundo que vivo
sou oposto pois não só eu vivo em mim.
resolveram me guiar.
talvez eu ache certo porque sou uma adolescente
mas talvez eu ache errado porque preciso crescer e enquanto me tratarem como adolescente isso nao vai acontecer
talvez eu ache errado porque me tratam de uma forma em um lugar e de outra em outro.

o que querem que eu seja?

Talvez esteja errada em perguntar.
e em escrever.
mas talvez esteja certa porque se falasse isso seria eu ignorante
mimada
chorando
por
nada
seria eu grossa
estérica
impulsiva.

façam o que quiserem.
já podem perceber que contradição conseguiram.
observação: não sou o que escrevo.
repitindo: não sou o que escrevo.
não sou o que escrevo.
não sou o que escrevo.
não sou o que escrevo.

ESCREVER
É ALHEIO
AO MEU VIVER.

ESCREVER É DENTRO PROFUNDO
QUE SE CONTRADIZ
QUE PENSA RAPIDO
COISAS QUE NÃO TEM NEXO
DENTRO PROFUNDO É DENTRO PROFUNDO
E NÃO FORA EXPOSTO


TALVEZ eu levante da cadeira e vá para a minha aula agora. e volte feliz. e volte satisfeita.
é o branco no preto.
deixa o talvez comigo.

"Se amanha nao for nada disso, caberá só a mim esquecer. E eu vou sobreviver. O que eu ganho, o que eu perco, ninguem precisa saber."

QUE A LEITURA BASTE PRA QUEM LÊ.
PORQUE A ESCRITURA BASTA PRA QUEM SENTE.


fim.







Listagem de cenas de acordo com temas

Olá, queridos!

Me ajudem editando o post para colocar cenas que eu possa ter esquecido ou mudando títulos dos temas, se eles forem equivocados. Só uma tentativa mesmo.

Gênese do corpo/homem
Cena do banho - com texto bíblico

Infância/inocência com o corpo
Cena das crianças no jardim brincando e se descobrindo

Corpo como mercadoria/corpo coisificado/corpo objeto
Marcelo pendurado (ideia do açougue)
Cena carrinho de supermercado - música "você pode me dizer o que eu sou"

Corpo como signo (convenções, estereótipos, etc)
Cena Lupe e Clarice
Cena "apresentação dos corpos" (no espelho, que ainda não terminamos nem apresentamos pra Dinha)

Velhice
Cena Renata com texto da Juliana 
Rastro (a Dinha deu a ideia dessa cena dialogar com as obsessões, se não me engano)

Vício/obsessão:
Cena cigarro com Carmen e Juliana
*Essa cena pode fazer link com a cena do rastro, segundo a Dinha. 

Assédio/Violência
Cena Bárbara e Marcelo - Clarice com texto da Lucélia (texto da surra)
Cena e texto da arma

Limitação do corpo (acho que dialoga com a depressão também)
Cena do pêndulo (as frases e as cenas "quando eu me... eu sinto como se..." se mantém?)
Textos "meu corpo me permite" e "meu corpo me impede"

Desnudamento
Cena "tapa/destapa" com música e roupas (com moldura ou sem?)



Hoje a Dinha falou sobre resgatarmos as cenas que usamos mais os sentidos! Alguns verbos estão aqui. Vamos tentar encaixá-los nas temáticas...

Verbos da experimentação individual (anotações minhas):
Acariciar, apertar, encostar, lamber, coçar, arranhar, olhar, bater, puxar, pesar.


ORDEM dos verbos na experimentação em dupla:
Olhar, cheirar, soprar, ensaboar, esfregar, expremer, arrastar, empurrar, montar, estapear e abraçar.

EX.: ENCAIXAMOS ENSABOAR (BANHO) NA CENA DO INÍCIO DO HOMEM. 
ENCAIXAMOS ESTAPEAR, EMPURRAR E CHEIRAR NA CENA DO ESTUPRO.
ABRAÇAR, EXPREMER, SOPRAR, ARRASTAR, MONTAR, ACARICIAR, APERTAR, LAMBER, COÇAR, ARRANHAR... SÃO UNS DOS VERBOS QUE ACHO QUE AINDA PODEMOS  USAR (ALGUNS DELES JÁ USAMOS NA CENA INDIVIDUAL DE CADA UM NA CENA DO PÊNDULO, MAS QUEM SABE SE ALGUM DESSES VERBOS NÃO SE ENCAIXA EM CENAS QUE JÁ TEMOS E NÃO O DILATAMOS? TÔ PENSANDO.)



Me ajudem, comentem e adicionem coisas.
Vamo que vamo.


Beijocas












segunda-feira, 5 de novembro de 2012


Cenas e textos – Carmen Mee

Primeira cena individual 
Sozinha no meio do palco, eu falo:
Este corpo nasceu inconsciente de si mesmo. Com o tempo fui percebendo seu tamanho, sua força, velocidade... Recebi esse corpo sem manual de instruções, claro. Aceitei essas formas com suas cores e texturas mesmo não sendo as minhas preferidas. Mas confesso que adequei o meu corpo à minha vontade, me forcei a fazer coisas, me manipulei. Mas o corpo é uma realidade limitada. E apontando praquela direção (movimento apontando com o braço todo pra frente) eu vi no meu dedo, bem na ponta, dando a volta pela palma, pelo braço, me contornando o corpo inteiro: uma fina linha sensível que se faz de fronteira com o ar
Em seguida enxergo algo um pouco distante de mim, do lado direito. Parece ser o meu corpo fora de mim, longe de mim. Chamo por ele três vezes virando apenas a minha cabeça e um pouco do tronco, o resto do meu corpo está praticamente petrificado de medo – menos os braços, que ficam soltos e fazem um pequeno movimento pendular quando minha cabeça se volta pra frente:
Corpo. Corpo. Corpo?
Na última chamada minha cabeça permanece virada pra trás e meu corpo todo começa a cair pra frente, como um tronco de uma árvore quando acaba de ser cortada, mas antes de cair giro para o lado esquerdo, como se um redemoinho tivesse passado por mim. Assim que paro, enxergo novamente o corpo, porém dessa vez com alegria por tê-lo encontrado. O chamo, como se chamasse um cachorrinho, e ele vem correndo e pula em cima de mim, em si mesmo.
Assim que ocorre essa fusão entre “corpo e espírito”, eu caio no chão. Permaneço ali por algum tempo, imóvel. Quando acordo, não sinto mais minhas pernas, elas se transformaram em um peso morto que tenho que carregar de agora em diante. Por isso uso os braços para me deslocar pelo espaço. Raivosa, com um apito dou ordens aos que passam. Esgotada e de frente pra plateia, deixo o apito cair e digo:
Não se levanta nem precisa levantar-se/ Está bem assim. O mundo que enlouqueça,/ o mundo que estertore em seu redor./ Continua deitado/ sob a racha da pedra da memória.” (Carlos Drummond de Andrade).
Quando pronuncio a última palavra me arrasto pra trás, me enrolo e levanto apontando o dedo para onde eu estava e dou uma bronca:
Não pode fazer isso! Fica quieta! Tira a mão do cabelo. Senta direito, arruma essa roupa, menina!
A medida que falo vou dando passos para trás. Depois que digo a última coisa, continuo indo para trás, mas vou marchando, com firmeza e dureza. Em seguida paro, e jogo minha perna pro lado, como um passo de tango, e depois, enquanto volto a perna, meu corpo vai amolecendo e criando vida, começa a sambar, a girar e depois a correr se sentindo finalmente livre. Depois do êxtase de sentir essa liberdade, digo confiante:
Quero romper com meu corpo, quero enfrentá-lo, acusá-lo, por abolir minha essência” (Carlos Drummond de Andrade).
Olho pra trás e vejo meu corpo mais uma vez, e já sem certeza falo:
mas ele sequer me escuta e vai pelo rumo oposto” (Carlos Drummond de Andrade).
Dito isso, me viro para o lado esquerdo do palco e vou embora.


A primeira fala dessa cena antes dela ter sido reformulada, como eu tinha apresentado antes:
O corpo nasce inconsciente; logo ele se encontra, se descobre. Ele toma formas, se mostra... Recebe-se o corpo, mesmo não sabendo do corpo. Aceita o corpo, mesmo não querendo o corpo. Molda-se o corpo, mesmo não vendo o corpo. O corpo é uma realidade limitada. Limitado pelo seu contorno, pela sua fronteira com o espaço, ele se limita em si mesmo. O corpo é usado, é forçado, é adequado ao que ele próprio impõe a si, ao que ele acredita de si, ou ao que ele cria de si mesmo. Criar... Criar, inventar, correr, ir, subir, pular, cair, girar, gritar! Limitar! Ele limita, o corpo limita. Sim, e ele se limita e assim ele se esconde



Minha parte do texto da cena com a Clarice e a Renata
Meu corpo é...

Meu corpo é feito de pele, de massa, de água, suor. Meu corpo tem alma.
Meu corpo sente cansaço, esforço, saudade e amor. Meu corpo sente meu corpo...
Meu corpo pensa que é grande e, às vezes, pequeno. Se esconde em si mesmo e se eleva ao céu.
Tem medo de mim, tem medo de si.
Quando eu me toco me sinto normal. Sinto meu corpo e sinto que sou eu, sinto que sou ser.
Por isso meu corpo deseja que você entenda que meu corpo faz parte de mim, mostra quem sou eu e ao mesmo tempo esconde, esconde a essência.

Meu corpo (agora) é...

Meu corpo é feito de terra, de carne, pele, pelos e poros. De água, lágrimas, gotas de suor. De ar, oxigênio, sussurros e bocejos. De fogo, de força, impulso. A chama que move os meus passos.
Meu corpo sente e sorri. Sente sempre o impacto dos olhares, sente sede todas as manhãs, sente sono, preguiça, cansaço. Sente a fome que me come por dentro, sente o beijo, o desejo, a vontade de ficar. Sente e treme, estremece inteiro, balança e se deixa levar, sente a onda me arrastar pro mar.
Meu corpo pensa no seu vasto interior, no seu lado desconhecido, adormecido. Pensa em toda a sua potencialidade, genialidade, todo o seu poder que pode ser abraçado ou deixado de lado. Pensa no esconderijo do pensamento, pensa na fuga, no obscuro. Pensa nas suas possibilidades de expansão e de contração, pensa no que pode se transformar.
Tem medo de se perder, se deixar, abandonar-se. Medo de não me reconhecer. Medo daquele seu olhar de reprovação, medo de que você me machuque, de que não me compreenda e me deixe de lado, me passe pra trás.
Quando eu me toco me sinto cuidada, me sinto amada, preciosa. Sinto minha pele macia, cheirosa, sinto arrepios subindo, vontade de sorrir. Sinto tantas coisas no meu corpo e com meu corpo, no corpo todo ou em suas partes, que sempre me descubro um pouco mais.
Por isso meu corpo deseja que você entenda que meus olhos te mostram só o que você pode ver. E que é melhor você me abraçar do que tentar desvendar o lado escondido do meu interior.     

Cena em dupla – Carmen e Guy (meu texto)

O seus olhos são tão bonitos que me fazem sorrir.
Meu corpo tá impregnado de você, do seu cheiro, vai embora. Carrega os teus restos daqui e essa sua alma cinza. Para de me olhar com essa cara de bosta que você tem e essa boca podre que fede a lixo, vai embora... Se afasta de mim, não tá percebendo que o meu corpo repele o seu, que eu fico com nojo de olhar pra você e ver o que você fez consigo mesmo, o monstro que você construiu, que você adestrou de dentro de si? A sua pior parte é a que você mais mostra. Sinto vergonha por você (ou por mim...). Fecha os seus olhos, leva a tua vergonha daqui junto com essa catinga que sai daí de dentro; ninguém merece receber a frieza desse olhar perdido.
Meu corpo me impede de ser a Clarice!


Texto da carne

Minha carne pesa como a cruz
E quanto mais eu a carrego,
Mais eu me afogo nesse mar
De culpas inventadas...

Outros textinhos:

Minha carne pesa
Mas quando eu me toco
É como se não existisse peso nenhum.

Minha carne é pesada como uma pedra
E quando eu me revolto
Sinto como se me rachasse a superfície dura.

Vejo nos seus olhos a lua cheia.

Eu sou só mais um
Pedaço de carne
Que arde
Ao receber seus olhos
Queima por dentro

Seca, minha pele se estica e me rasga, sorrindo, enquanto grito, xingo e dou chilique, sinto a dor e o sorriso mudando de cor.

Sou mais mole que minha própria carne...

Perdi os caminhos do corpo

Meu corpo esconde coisas de mim. E tenho percebido que ele sabe se virar melhor do que eu.

A vi de longe. Seus cabelos bagunçados me atraiam, lisos em cima e despenteados embaixo, fios castanhos alucinados sob o sol de setembro. O rosto fino, destacadas sobrancelhas, bocas. Deslizava pelo espaço como se flutuasse, leve. O que pesava era o olhar.

Quero vomitar. A fumaça não sai da minha garganta. Não sai, fica presa na goela irritando, corroendo, apodrecendo, decompondo minha carne. Não consigo parar de comer cigarros.
Cadê meu corpo de ontem?

Cresci na marra. Entendi o funcionamento do meu corpo durante a espichada. Descobri que não vivo sem água, sem alimento e sem ar. Descobri cheiros desagradáveis, marcas, linhas em mim... Tive grande curiosidade sobre eu mesma quando me vi pela primeira vez. Entendi como eu era e porque me olhavam daquele jeito. E me lembro que fiquei tão chateada de não conseguir olhar a cicatriz das costas...

Só posso dizer que senti vergonha do que senti. E senti tantas coisas... Foi um momento raro. Passou tão rápido e foi tão intenso, que eu saí com o peito cheio, a boca cheia de ar.

Percebi meu nervosismo quando me peguei refazendo as palavras repetidamente. O silêncio da noite me deixava tão arisca que qualquer barulho noturno ressoava no meu pescoço com uma brisa fria.
Ficava imobilizada até a perna ficar sem respirar, só mudava de posição quando sentia a dormência.

Enquanto as lágrimas saiam, ardiam os arranhões do meu rosto. O coração estava desesperado batendo no peito, querendo pôr ordem na casa.

Minhas mãos, sem direção, me mordiam como bichos famintos. Me apertavam, procurando um bolso inexistente na pele.

Preciso de algo que acalme meus olhos.
Algo que caiba nos meus olhos.


Não. Não sinto nada. Nenhuma parte.
A não ser que doa.
Ou que eu pense.
E se eu pensar, tenho que mexer,
Pra sentir.


Corpo que treme, que trava, que chama, que anda e que nada
Corpo que chora, que vibra, que briga
Por ira do corpo
Que torto
Não anda
Que solto
Se joga
Que morto
Morto?
Corpo morto tá deitado, parado, imobilizado
Tirado da vida,
Parte do corpo grita,
Gira no último gole do ar.


Meu corpo eu, teu corpo tu
Teu corpo tu, meu corpo eu


Corpo o peito, o pé, a palma
Tira pelo
Come bafo
Solta gases
Suado o corpo anda
Andando o corpo sua
A tua culpa
É não se olhar

O corpo via, agia e reagia
Ela ria
Do seu próprio rosto
Corpo porco
Torto que ria


TEXTO CARMEN 1





Vômito da semana de 08 a 15 de outubro
Carmen Mee

Sábado.
Só agora tive coragem de falar alguma coisa.
Eu sou uma fraca.
Não... É como se meu corpo tivesse mole, sem vontade, fraco mesmo... Eu não faço nada, fico solta, frouxa, esparramada num canto comendo porcarias e fazendo coisas qualquer, sem pensar em nada útil, sem prestar atenção no quarto, na varanda ou lá fora, sem falar nada, sem reagir, totalmente apática diante do mundo.
Parece que por dentro me divido em duas partes que brigam pelas minhas ações, que querem ser meu comportamento correto... Eu sou uma terceira parte que assiste a tudo tentando compreender o que se passa. Só quando choro que essas partes se unem para tentar explicar o porquê dessa falha mecânica na máquina Carmen. Só aí eu olho para mim com meus próprios olhos... Como se fosse uma total falta de controle, as coisas saem embaralhadas da minha cabeça, externar não é uma coisa simples para todos... A falta de controle vem dá desunião dessas duas partes – partes que não podem ser definidas como corpo e alma ou carne e espírito, parecem as duas (ou mais) mescladas de coisas reais e oníricas, de realidades e infinitas faces desconhecidas. 
Acho que culpa. Tenho um medo de encara-los de novo, parece que passou muito tempo; no entanto foi como se os dias tivessem passado como horas e sinto como se eu precisasse descansar depois de uma noite muito mal dormida. Como uma ressaca de uma fase ou de um fluxo de acontecimentos, de pensamentos, de sentimentos e sensações, que me deixassem envergonhada de voltar e pedir desculpas. Esse mal estar está tão agarrado comigo que parece que minto e que ninguém fosse acreditar nessas palavras que eu despetalando devagar. Isso já aconteceu comigo, de não acreditarem, por isso essa sensação, eu acho.
Talvez eu tenha cara de mentirosa... Mas a verdade é que minto mesmo, o tempo todo e pra mim mesma principalmente, sou uma péssima eu mesma.
O quero dizê-los é o que se passou nesses últimos dias, nessa semana em que fiquei em casa, o que aconteceu e o que mais queiram saber ao ler este meu depoimento. Hoje é sábado, são três da tarde praticamente, e preciso escrever aqui o que eu senti.
Bom, não aconteceu nada de grave comigo, com meu pai ou coisa de família... não há necessidade preocupação, se a houver; apesar de eu ter sumido, não ter falado nada, a não ser com a Ju na quarta, e, mesmo assim, bem rapidinho, sei que preciso dar uma explicação.
Pois bem, ainda não sei o que houve também. Poderia denominar de momento depressivo, mas seria uma definição muito aberta do que aconteceu comigo. Por que por todo esse tempo, desde o início do ano, que temos dividido momentos meus e seus e temos nos conhecido, todos; eu venho confrontando-me diretamente sobre questões como os meus atos, minhas opiniões (e a falta delas), minha vida, meu caminho e história, onde estou agora, que sou eu e que corpo é esse. Eu sempre pensei nessas coisas e, provavelmente, sempre pensarei. Acontece que agora veio tudo junto... E aquelas duas partes, que tinha dito lá em cima, ficam me criticando, eu me criticando, falando, o tempo todo, o que eu devia estar fazendo. Parece coisa de louco, não descarto essa possibilidade. Pode ser, talvez seja mesmo, que eu seja uma pobre de uma criaturinha traumatizada pelos altos e baixos da vida, demente a coitada. Que tristeza...

Ainda não sei o que fazer da minha vida. As matrículas voltaram, tenho que decidir, tenho que seguir alguma escolha agora. Isso tá sendo bastante difícil... mas na verdade nem pensei muito nisso nessa semana, pra falar verdade. O ponto é que me escondo aqui nessa casa. Me escondo e ela também me aprisiona e me sufoca. Quando chego aqui, esqueço esse mundo real aí de fora, aqui minhas prioridades mudam, aqui a história é outra, parece outra cidade e outro tempo, outra vida. E quanto mais fico distante desse mundo daí, mais tenho medo de sair daqui. E por isso é tão difícil sair, me tornei prisioneira de mim mesma, eu acho; e preciso sair daqui urgente (aliás, só saindo mesmo).
 Dá um medo tão grande de encarar a realidade. Estou tão podre, tenho me alimentado tão mal, cuidado tão mal de mim, das minhas coisas, como se fosse um cárcere real.
A minha boca parece um túmulo mesmo; sem palavras, fechada o tempo todo, só entra a fumaça e parece que vermes estão esperando que eu abra a boca para que saiam. Minha boca fechada, grudada, os lábios só abrem o espaço de um cigarro e, de vez em quando, abrem pra eu respirar, já que as narinas às vezes não funcionam mais. Quando isso acontece posso sentir o seu cheiro de mofo, o meu cheiro de dentro.
Sinto o cansaço por causa do peso. Carrego tantas coisas, tantas culpas, tanta energia condensada, que impedem o movimento natural do meu corpo. Ando como se houvesse um saco de pedras nas minhas costas, ou como se o saco fosse parte das minhas costas, como se as pedras fossem ossos, músculos e pele, machucadas pelas feridas que não cicatrizam e pesadas por causa tempo. Chego a não poder virar o pescoço, não consigo olhar para trás sem sentir a dor dessa virada, das lembranças do caminho que acabei de passar.
Será que terei que passar toda vez por esse inferno e voltar, sempre que quiser externar algo de lá de dentro?
Estou tremendo. Já há alguns dias minhas mãos e braços fazem movimentos incontroláveis, tremidinhas nos dedos que me fazem parecer uma senhorinha. Talvez esteja definhando, por dentro apodreci. Mas essa tremidinha vem de lá de dentro mesmo, como que da parte mais central de cada parte do meu corpo, como que soltando uma onda de força que eu sinto saindo por todos os meus cantos e me fizesse flutuar por dentro da carne como se aqui não houvesse gravidade; mas que ao chegar do lado de fora, reverbera em tremidinhas involuntárias, sai em espasmos, como se espantassem as moscas. Minhas articulações reclamam.
Tudo é tão difícil e todas as pessoas têm problemas, eu sei. Só que parece que no meu caso, eu já tenho bastante intimidade com eles e toda hora meu pensamento fica possuído por uns buracos de problemas, que eu já pulo neles sem receio algum.
Tudo começou quando os textos foram pedidos. Tenho uma grande dificuldade mental na hora de criar e principalmente desenvolver uma coisa, preciso reservar um grande tempo para colocar a linha numa agulha que seja. Sei lá... Parece tão complicado explicar, também porque está tudo tão interligado, como se todos os porquês estivessem numa grande rede de raízes antigas instaladas na minha cabeça e me ligando a algo por uma luz escura, como se fosse aquele vão do elevador.
Eu me sinto fraca. Não sei o que dizer, porque é uma grande confusão mental. Eu mesma não entendi ainda o que está acontecendo comigo, só sei que não quero continuar com essa sensação ruim, mesmo confusa preciso sair daqui. Quero continuar o que comecei a fazer no início do ano, quero chegar até o fim desse espetáculo, não só quero, como preciso fechar esse ciclo, se não... não sei como serão os próximos ciclos que eu entrar, né? Mas agora é diferente. Depois dessa semana não sou eu quem decide mais, tenho que assumir minha responsabilidade com este grupo, e admito que fui fraca, imatura, mimada e covarde, por ter fugido, por ter me deixado ser sequestrada pelos meus medos e angustias e por ter deixado latejar a dor que tenho sentido. Uma pessoa assim não é de se confiar. Talvez eu precise fugir no dia do espetáculo. Espero que não, espero que essa semana me sirva de vez para tapar essa cratera que eu abri no meu corpo. Por isso, não sei se serei bem vinda na próxima semana, eu abandonei o grupo, totalmente... mas me abandonei também. Me senti mal por não ter textos, por me incomodar com comportamentos, por abrir portas que podem desestruturar a magia dessa oficina.

Acho que a minha maior dor é a da solidão. Dói mais que esse machucadinho aqui no polegar. É que minha vida tá tão desfigurada, tão recortada em pedaços soltos e bagunçados, tão sem caminho claro e eu to aqui sem lanterna, sem telefone, sem amigos para me salvarem... Então eu continuo fugindo e fugindo sempre. Minha casa, minha cápsula, minha célula mãe, que me guardaria e me protegeria, na verdade me engole com todo peso dos móveis antigos, dos livros empilhados e das teias de aranhas; aranhas, besouros, grilos me fazem companhia. Escuto, quando vou dormir, o besouro tentando sair de uma sacola que sem querer entrou, fazendo um som com o de bocas se beijando, os lábios e as línguas e os vácuos de ar se movimentando na minha cabeça enquanto o besouro tenta ultrapassar o fundo plástico do espaço, preso e sem ar. Outras vezes parece o barulho da chuva. Agora se tornou um som ambiente, assim como o do casal de passarinhos, que se mudou faz pouco tempo. Com tanto espaço , quando vejo o ninho dos bichinhos, vejo uma luz diferente na frieza do imenso corredor...
Quanta distância. Minha sobrevivência nesses últimos dias esteve à base de água, doces, baseados... loucuras criadas e alimentadas; parece que meu corpo viveu (e vive) e eu assisti (e continuo assistindo).
Sei não... Já não sei mais o que escrevo. Parece tão difícil chegar até aqui, e agora não sei como continuar... Já são seis da tarde, combinei com meus amigos hoje, mas já não sei se vou mais... Na segunda a Naná viaja, eu preciso encontra-la antes.
As cigarras voltaram a cantar chamando a chuva. Hoje o dia foi mais nublado e úmido, com um ventinho frio bom. A casa por um momento pareceu tão grande e aconchegante pra um ser desorientado... Aliás, acabei de me lembrar das plantas! Esqueci das meninas nesses dias, bosta.
Ai deus.. que frio na barriga agora, sem saber o que fazer.Um querer sem força, uma vontade fraca, um aperto inteiro pulsando.
Parece que aqui não há ninguém além dos bichos e do céu. Aqui parece que vivo só a maior parte dos meus dias, só e distante...
Covarde.
Tantas vidas mais complicadas e eu aqui sôfrega por medos invisíveis e invencíveis, então porque? Onde minha força se esconde?
Parece que o fim do deserto é a parte mais complicada de se sobreviver.
Me dá uma vontade de desistir de tudo.
Mas imagino um futuro tão bonito.
O que estou plantando?
O reverso das coisas.
É que tá nublado e o tempo pode ser cruel...

O acordar é a pior parte. Sentindo que um novo dia começa, minha boca se mexe com dificuldade, parece a boca de um cadáver que acabou de acordar do outro lado. Os olhos sujos só enxergam embaçado o borrado da vida...  É dia de recomeçar, mas parece que minhas partes pouco se importam. O que vale é satisfazer os sentidos, sempre.  Por isso vivi como uma mendiga, sem banho, sem cuidado, sem nada, abandonada aos próprios pensamentos. O primeiro cigarro dia já foi. Esse primeiro é sempre o melhor, ele adentra meu corpo aos poucos, como se fosse penetrando as partes, uma de cada vez, e acordando minhas células vendidas para que continuem o trabalho sujo.
Sinto que preciso escrever rápido, estou ficando nervosa. Me senti estranha depois de ter escrito tudo isso aí de cima ontem. Hoje já é domingo, são dez pras onze da manhã. Acordei sentindo uma inquietação, essa desses últimos dias. Mas hoje foi diferente. É como se eu tivesse despejado uma parte desse sentimento aqui nessa folha e a parte que continuou em mim vai se multiplicando infinitamente; e até eu conseguir tira-la toda de mim, e se isso for possível, no me transformarei? É como se essa sensação fosse um verme que ficasse me mastigando por dentro...
Minha perna não para de balançar. Parece que to ficando descontrolada...
Eu to querendo me acalmar, mas a única maneira que vejo é me emporcalhando mais uma vez com aquela droga. Um corpo viciado é o pior corpo. Por que ele vive, ele faz a vida que ele quer, ele se satisfaz e a pessoa só assiste, vê sem poder, sem força nenhuma, talvez nem perceba... Não posso chegar a esse ponto. Parece que a qualquer momento minhas mãos vão parar de me obedecer, que minhas pernas vão sair caminhando sozinhas, me levando pra onde elas quiserem ir, e eu já nem poderei falar, por que minha boca estará muito ocupada tragando todos os cigarros que aparecerem na minha frente.
Alimento meus vícios sempre. Cuido deles para que no futuro eles cuidem de mim.
Não consigo parar de mexer minhas pernas... elas fazem com que eu escreva mais rápido também... parece que preciso de alguma coisa, se não meu corpo não resgatará serenidade nunca.... que falta de controle, que compulsão....
Vou abastecer de calma minha carne poluída pela vontade de viver presa.
Acrodei tão desarvorada, morrendo de sede de fumar. Meu todo corpo treme.
A casa é uma grande gaiola, assim como o meu corpo, que me aprisiona de uma forma tão completa que facilmente me faço rendida, me transformo escrava dos fáceis prazeres da carne, me empapuço de falsos aperitivos e tóxicos baratos, e afundo, perco o ar e quase morro. Minha cabeça pesa tanto. Tenho a sensação de que ela vai tombar a qualquer momento. E também sinto uma dorzinha aqui no pé da barriga mais pro lado direito. Isso é resultado da péssima alimentação dos últimos dias. Uma descarada falta de amor próprio. Afastei-me momentaneamente de todo resto que não fosse o vão que eu entrei e me perdi.
Bom, agora já estou com menos nuvens no meu pensamento, mas ainda estou angustiada e inquieta, embora agora mais calma, por ter fumado. E, sim. Eu sei que fazer isso blá blá blá. Ahaaa... tá vendo? Parece que estou conversando com meu subconsciente. Quer dizer então que eu me perco e me escondo ao mesmo tempo? Mecanismo de defesa. Acho que eu, na verdade (que mania de falar, na verdade), faço isso mesmo. Fujo, me escondo, me perco e desapareço. Só eu posso me colocar e me tirar daqui.
Não imaginei que fosse ser tão bom estar escrevendo isso. Acho impressionante como que as palavras aparecem, sem medo. Parece um refúgio. Mas, quando penso em falar vem um frio, um aperto subindo, arrepiando da coluna até a garganta. Só a fumaça pra mandar isso de volta. Já se passou uma hora. Por que tão pouco tempo em tanto tempo... tão pouco tempo pra mim... Parece que eu só não vou fumar quando não tiver mais o que fumar.
Sinto minha mente funcionar. Sinto como se líquidos se movessem dentro da minha cabeça, aliviando toda a pesada concentração que permanece acomodada.
Escovei agora os dentes. Que coisa... De súbito resolvi escova-los depois de mais de trinta horas insistindo naquele gosto amargo de podridão que sentia. Minha trajetória como mendiga em casa está chegando ao fim. No primeiro toque da pasta de dente na minha gengiva senti um velho frescor conhecido, nas próximas passadas da escova respirei aliviadamente com a boca, agora como se agora o ar passasse livre daquela saliva suspeita instalada entre os meus dentes. E lá no fundo, tão longe e escondidos os últimos dentes, ao serem cutucados provocaram um grande abalo na estrutura toda do meu corpo e lá de dentro quase subiu uma onda quente, berrando pra todas as paredes do banheiro. Segurei com a respiração. Continuei escovando mais rápido toda a boca não mais fétida, e que logo ficaria fresca como o ar que fica quando a chuva molha a terra.  Enquanto escovava, sentia-me como uma velha, uma mulher envenenada pelo tempo, deformada por dentro, com uma invisível sombra monstruosa; e quase vomitando por lavar a boca, por lutar contra o mostro que é o reverso que seu corpo não mostra. Como que tentando domar um organismo mal acostumado e preguiçoso. Era como se minhas mãos brigassem entre si, uma defendendo a levantada rumo a outro destino, outra querendo continuar na imundice mais podre da escolha errada.
Minha perna não para de balançar... E já quero me emporcalhar mais uma vez.

domingo, 4 de novembro de 2012

Texto do banho


Meu corpo enfaixado. Ah, você soube fazer muito bem. Essas coisas de fazer as coisas. Sempre teve uma disposição implacável para esses pequenos... (pequenos?)  como é que se diz mesmo? Afazeres! Soube fazer minha morte. Soube colocar tudo como se coloca tudo no corpo de alguém que morre. Fiando... fiando numa roca sem tempo.

Texto da arma


Eu quero o fim do mundo!
tudo tá ótimo até você se descobrir estranho por dentro, sentir a besta te mastigando as entranhas, mais rápido que um câncer.  Ela come, cospe e caga em mim. trepa em mim, me fecunda.

Que bonito, né o que se produz aqui dentro. Que bonito um mundo parido por corpos. ora, o universo  é um infinito de corpos... tentando desesperadamente se encontrar.

Olha pra mim? Pro meu olho de fogo. Sou eu!

Não sou simplesmente asqueroso,
deve haver qualquer coisa de admirável em tudo isso que sou.